Para ela, existe uma subnotificação que pode ser explicada pelo temor do desemprego. Em novembro do ano passado, o Brasil tinha 14 milhões de pessoas desocupadas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"As pessoas normalmente têm receio de denunciar, desconhecem ou normalizam o chefe que grita porque é assim que funciona e assim sempre foi. O fato de reduzir o quantitativo não significa que o assédio está em baixa. Talvez tenhamos uma redução ligada ao medo de perder o emprego. Nesse cenário de retração econômica e desemprego históricos, naturalmente existe o receio de alguém se ver sem aquela vaga e acabar se colocando em em uma situação de sofrimento", explica Ana Lúcia.
No home office há muitas possibilidades de configurações de assédio, alerta a especialista. O desvio de conduta moral pode ser exemplificado pelo chefe que envia constantemente mensagens grosseiras e/ou com cobrança de demanda de trabalho. Enquanto a prática sexual acontece com o compartilhamento de textos e nudes (fotos de partes íntimas) indesejáveis.
Por conta da pandemia, o MPT elaborou uma nota técnica com diretrizes para proteger trabalhadores e trabalhadoras de assédio no trabalho. A procuradora reforça que a sobrecarga de trabalho por um superior, sobretudo para profissionais como professores, que tiveram que se readaptar para aplicar aulas pela internet, é um complicador que possivelmente passa despercebido.
A apresentação de prints de tela, áudios e conversas são consideradas opções de provas contra um possível assediador. "É necessário haver uma espécie de etiqueta digital. Delimitar horário para envio de mensagens, ter um tempo razoável para receber resposta, colocar questões e tarefas de modo respeitoso, com prazos razoáveis que permitam horário de descanso. Se nada disso for feito e [o oposto] acontecer de maneira corriqueira, pode, sim, configurar assédio", destaca.
Em 2020, o Tribunal Superior de Justiça (TST) também viu os processos de assédio movidos contra empresas caírem em relação ao ano anterior. De janeiro a dezembro, o órgão julgou 1.625 casos de conduta moral (-9.5%) e 79 de conduta sexual (-5%), de acordo com dados enviados ao Metrópoles.
No entanto, a presidente do órgão, ministra Maria Cristina Peduzzi, acrescenta outro fator além da pandemia: a Reforma Trabalhista de 2017. Segundo ela, a reformulação da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT) impediu que a reparação por danos morais fosse "banalizada" pelos reclamantes.
"A reforma é a grande responsável pela redução, principalmente pela aplicação do princípio de sucumbência. Isso significa que a parte que for vencida na ação terá que arcar parcial ou totalmente com os custos. Ou seja, terá que pagar proporcionalmente os honorários dos advogados da parte contrária e os custos do processo. Com essa adoção, hoje só se ajuíza uma ação com segurança de que aquela postulação vai ter, em tese, êxito."
Dessa maneira, Maria Cristina reconhece que o número de denúncias é baixo por conta da dificuldade em provar o crime como previsto no Código Penal. Nem o TST nem o MPT possuem recorte de ações por gênero. No entanto, ambas as entrevistadas garantem que as principais vítimas no Brasil, pelo menos de assédio sexual, são mulheres.